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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Sopa de Macarrão



Sopa de Macarrão


            O filho olha emburrado o prato vazio, o pai pergunta se não está com fome.  Com fome eu tô, não to é com vontade de comer comida de velho.
            Lá da cozinha a mãe diz que decretou  De-cre-tei!  que ou ele come legumes e verduras, ou vai passar fome.
             Não quero filho meu engordando agora para ter problemas de saúde depois. Só quer batata frita e carne, carne e batata frita!
            Ela vem com a travessa de bifes, o pai tira um, ela senta e tira o outro, o filho continua com o prato vazio.
             Nos Estados Unidos  continua ela  um jornalista passou um mês comendo só fastfood, engordou mais de seis quilos!
             E como é que ele aguentou um mês só comendo isso?!  perguntou o pai.
            O filho responde:
             Porque é gostoso!  E pega com nojo uma folhinha de alface, põe no prato e fica olhando como se fosse um bicho.
            A mãe diz que é preciso ao menos experimentar para saber o que é ou não gostoso, e o pai diz que, quando era da idade dele, comia cenoura crua, pepino, manga verde com sal, comia até milho verde cru.
             E devorava o cozido de legumes da sua avó! E essa alface? Pra comer, é preciso botar na boca...
            O filho enfia a alface na boca, mastiga fazendo careta, pega um bife, a mãe pula na cadeira, pega o bife de volta:
             Não senhor! Só com salada pra valer, arroz, feijão, tudo!
             Ele continua olhando o prato vazio, até que resmunga:
             Se vocês sempre comeram tão bem, como é que acabaram barrigudos assim?
            O pai diz que isso é da idade, o importante é ter saúde.
             E você, se continuar comendo só fritura, carne, doce e refrigerante, na nossa idade vai pesar mais de cem quilos!
             No Japão  resmunga ele  podia ser lutador de sumo e ganhar uma nota.
             E no Natal  cantarola a mãe  vai ser Papai Noel, né? E Rei Momo no carnaval...  Não tripudie  diz o pai.  Ele ainda vai comer de tudo. Quando eu era menino, detestava sopa. Aí um dia minha mãe fez sopa com macarrão de letrinhas, passei a gostar de sopa!
            O filho pergunta o que é macarrão de letrinhas, o pai explica. Ele põe na boca uma rodela de tomate, o pai e a mãe trocam um vitorioso olhar. O pai faz uma voz doce:
             Está descobrindo que salada é gostoso, não está?
             Não, peguei tomate para tirar da boca o gosto nojento de alface, mas acabo de descobrir que tomate também é nojento.
             Mas catchup você come não é? Pois é feito de tomate!
             E ele também não come ovo  emenda a mãe  mas come maionese, que é feita de ovo!
            O filho continua olhando o prato vazio.
             Coma ao menos feijão com arroz  diz o pai.
            Ele pega uma colher de feijão, outra de arroz dizendo que viu um filme onde num campo de concentração só comiam assim pouquinho, só o suficiente pra sobreviver... Mastiga tristemente, até que o pai lhe bota o bife no prato de novo, mas a mãe retira novamente:
             Ou salada ou nada! Sem chantagem sentimental!
            O pai come dolorosamente, a mãe come furiosamente, o filho olha o prato tristemente.
            Depois a mãe retira a comida, ele continua olhando a mesa vazia. Na cozinha, o pai sussura para ela:
             Mas ele comeu duas folhas de alface, não pode comer dois pedaços de bife?!...
            Ela diz que de jeito nenhum, desta vez é pra valer; então o pai vai ler o jornal, mas de passagem pelo filho, pergunta se ele não quer um sanduíche de bife  com salada, claro. Não, diz o filho, só quer saber de uma coisa da tal sopa de letras. O pai se anima:
             Pergunte, pergunte!
             Você podia escrever o que quisesse com as letras no prato?
             Claro! Por que, o que você quer escrever?
             Hambúrguer, maionese e catchup.
            É teimoso que nem o pai, diz a mãe. Teimoso é quem teima comigo, diz o pai. O filho vai para o quarto, só sai na hora da janta: sopa de macarrão. Então, vai escrevendo, e engolindo as palavras: escravidão, carrascos, nojo, e enfim escreve amor, o pai e mãe lacrimejam, mas ele explica:
             Ainda não acabei, tá faltando letra pra escrever: amo rosbife com batata frita...


Domingos Pellegrini
Antologia de crônicas: crônica brasileira contemporânea. São Paulo: Moderna, 2005.

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