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domingo, 12 de julho de 2015

João e Maria



João e Maria
 

Da tradição oral

            Às margens de uma floresta existia, há muito tempo, uma cabana pobre feita de troncos de árvores, onde moravam um lenhador, sua segunda esposa e seus dois filhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se João e a menina, Maria. Na casa do lenhador, a vida sempre fora difícil, mas, naquela época, as coisas pioraram: não havia pão para todos.
         — Mulher, o que será de nós? Acabaremos morrendo de fome. E as crianças serão as primeiras.
         — Há uma solução... – disse a madrasta, que era muito malvada – amanhã daremos a João e Maria um pedaço de pão, depois os levaremos à mata e lá os abandonaremos.
         O lenhador não queria nem ouvir um plano tão cruel, mas a mulher, esperta e insistente, conseguiu convencê-lo.
         No aposento ao lado, as duas crianças tinham escutado tudo, e Maria desatou a chorar.
         — E agora, João? Sozinhos na mata, vamos nos perder e morrer.
         — Não chore — tranqüilizou o irmão. — Tenho uma idéia.
         Esperou que os pais estivessem dormindo, saiu da cabana, catou um punhado de pedrinhas brancas que brilhavam ao clarão da Lua e as escondeu no bolso. Depois voltou para a cama. No dia seguinte, ao amanhecer, a madrasta acordou as crianças.
         — Vamos cortar lenha na mata. Este pão é para vocês.
         Partiram os quatro. O lenhador e a mulher na frente, as crianças atrás. A cada dez passos, João deixava cair no chão uma pedrinha branca, sem que ninguém percebesse. Quando chegaram bem no meio da mata, a madrasta disse:
         -— João e Maria, descansem enquanto nós vamos rachar lenha para a lareira. Mais tarde passaremos para pegar vocês.
         Os dois irmãos, após longa espera, comeram o pão e, cansados e fracos, adormeceram.   Acordaram à noite, e nem sinal dos pais.
         — Estamos perdidos! Nunca mais encontraremos o caminho de casa! — soluçou Maria.
         — Quando a Lua aparecer no céu acharemos o caminho de casa — consolou-a o irmão.
         Quando a Lua apareceu, as pedrinhas que João tinha deixado cair pelo atalho começaram a brilhar, e, seguindo-as, os irmãos conseguiram voltar à cabana.
         Ao vê-los, os pais ficaram espantados. O lenhador, em seu íntimo, estava contente, mas a mulher não. Assim que foram deitar, disse que precisavam tentar novamente, com o mesmo plano. João, que tudo escutara, quis sair à procura de outras pedrinhas, mas não pôde, pois a madrasta trancara a porta. Maria estava desesperada.
         — Como poderemos nos salvar desta vez?
         — Daremos um jeito, você vai ver.
         Na madrugada do dia seguinte, a madrasta acordou as crianças e foram novamente para a mata. Enquanto caminhavam, Joãozinho esfarelou todo o seu pão e o da irmã, fazendo uma trilha. Desta vez afastaram-se ainda mais de casa e, chegando a uma clareira, os pais deixaram as crianças com a desculpa de cortar lenha, abandonando-as. João e Maria adormeceram, famintos e cansados. Quando acordaram, estava muito escuro, e Maria desatou a chorar.
         Mas desta vez não conseguiram encontrar o caminho: os pássaros haviam comido todas as migalhas. Andaram a noite toda e o dia seguinte inteirinho, sem conseguir sair daquela floresta, e estavam com muita fome.
De repente, viram uma casinha muito mimosa. Aproximaram-se, curiosos, e viram, encantados, que o telhado era feito de chocolate, as paredes de bolo e as janelas de jujuba.
         — Viva!— gritou João.
         E correu para morder uma parte do telhado, enquanto Mariazinha enchia a boca de bolo, rindo. Ouviu-se então uma vozinha aguda, gritando no interior da casinha:
         — Quem está o teto mordiscando e as paredes roendo?
         As crianças, pensando que a voz era de uma menina de sua idade, responderam:
         — É o Saci-pererê que está zombando de você!
         Subitamente, abriu-se a porta da casinha e saiu uma velha muito feia, mancando, apoiada em uma muleta. João e Maria se assustaram, mas a velha sorriu, mostrando a boca desdentada.
         — Não tenham medo, crianças. Vejo que têm fome, a ponto de quase destruir a casa. Entrem, vou preparar uma jantinha.
         O jantar foi delicioso, e a velha senhora ajeitou gostosas caminhas macias para João e Maria, que adormeceram felizes. Não sabiam, os coitadinhos, que a velha era uma bruxa que comia crianças e, para atraí-las, tinha construído uma casinha de doces.
         Agora ela esfregava as mãos, satisfeita.
         — Estão em meu poder, não podem me escapar. Porém estão um pouco magros. É preciso fazer alguma coisa.
         Na manhã seguinte, enquanto ainda estavam dormindo, a bruxa agarrou João e o prendeu em um porão escuro, depois, com uma sacudida, acordou Maria.
         — De pé, preguiçosa! Vá tirar água do poço, acenda o fogo e apronte uma boa refeição para seu irmão. Ele está fechado no porão e tem de engordar bastante. Quando chegar no ponto vou comê-lo. Mariazinha chorou e se desesperou, mas foi obrigada a obedecer. Cada dia cozinhava para o irmão os melhores quitutes. E também, a cada manhã, a bruxa ia ao porão e, por ter vista fraca e não enxergar bem, mandava:
         — João, dê-me seu dedo, quero sentir se já engordou!
         Mas o esperto João, em vez de um dedo, estendia-lhe um ossinho de frango. A bruxa zangava-se, pois apesar do que comia, o moleque estava cada vez mais magro! Um dia perdeu a paciência.
         — Maria, amanhã acenda o fogo logo cedo e coloque água para ferver. Magro ou gordo, pretendo comer seu irmão. Venho esperando isso há muito tempo!
A menina chorou, suplicou, implorou, em vão. A bruxa se aborrecera de tanto esperar.
         Na manhã seguinte, Maria tratou de colocar no fogo o caldeirão cheio de água, enquanto a bruxa estava ocupada em acender o forno para assar o pão. Na verdade ela queria assar a pobre Mariazinha, e do João faria cozido.
         Quando o forno estava bem quente, a bruxa disse à menina:
         — Entre ali e veja se a temperatura está boa para assar pão.
Mas Maria, que desconfiava sempre da bruxa, não caiu na armadilha.
         — Como se entra no forno? — perguntou ingenuamente.
         — Você é mesmo uma boba! Olhe para mim! — e enfiou a cabeça dentro do forno.
Maria empurrou a bruxa para dentro do forno e fechou a portinhola com a corrente. A malvada queimou até o último osso.
         A menina correu para o porão e libertou o irmão. Abraçaram-se, chorando lágrimas de alegria; depois, nada mais tendo a temer, exploraram a casa da bruxa. E quantas coisas acharam! Cofres e mais cofres cheios de pedras preciosas, de pérolas...
         Encheram os bolsos de pérolas. Maria fez uma trouxinha com seu aventalzinho, e a encheu com diamantes, rubis e esmeraldas.
         Deixaram a casa da feiticeira e avançaram pela mata. Andaram muito. Depois de algum tempo, chegaram a uma clareira, e perceberam que conheciam aquele lugar. Certa vez tinham apanhado lenha ali, de outra vez tinham ido colher mel naquelas árvores...
         Finalmente, avistaram a cabana de seu pai. Começaram a correr naquela direção, escancararam a porta e caíram nos braços do lenhador que, assustado, não sabia se ria ou chorava.
         Quantos remorsos o tinham atormentado desde que abandonara os filhos na mata! Quantos sonhos horríveis tinham perturbado suas noites! Cada porção de pão que comia ficava atravessada na garganta. Única sorte, a madrasta ruim, que o obrigara a livrar-se
dos filhos, já tinha morrido.
         João esvaziou os bolsos, retirando as pérolas que havia guardado; Maria desamarrou o aventalzinho e deixou cair ao chão a chuva de pedras preciosas. Agora, já não precisariam temer nem miséria nem carestia. E assim, desde aquele dia o lenhador e seus filhos viveram na fartura, sem mais nenhuma preocupação.

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