João e Maria
Da tradição oral
Da tradição oral
Às margens de uma floresta existia, há muito tempo, uma cabana pobre feita de troncos de árvores, onde moravam um lenhador, sua segunda esposa e seus dois filhinhos, nascidos do primeiro casamento. O garoto chamava-se João e a menina, Maria. Na casa do lenhador, a vida sempre fora difícil, mas, naquela época, as coisas pioraram: não havia pão para todos.
— Mulher, o que será de nós? Acabaremos morrendo de fome. E as crianças serão as primeiras.
— Há uma solução... – disse a madrasta, que era muito malvada – amanhã daremos a João e Maria um pedaço de pão, depois os levaremos à mata e lá os abandonaremos.
O lenhador não queria nem ouvir um plano tão cruel, mas a mulher, esperta e insistente, conseguiu convencê-lo.
No aposento ao lado, as duas crianças tinham escutado tudo, e Maria desatou a chorar.
— E agora, João? Sozinhos na mata, vamos nos perder e morrer.
— Não chore — tranqüilizou o irmão. — Tenho uma idéia.
Esperou que os pais estivessem dormindo, saiu da cabana, catou um punhado de pedrinhas brancas que brilhavam ao clarão da Lua e as escondeu no bolso. Depois voltou para a cama. No dia seguinte, ao amanhecer, a madrasta acordou as crianças.
— Vamos cortar lenha na mata. Este pão é para vocês.
Partiram os quatro. O lenhador e a mulher na frente, as crianças atrás. A cada dez passos, João deixava cair no chão uma pedrinha branca, sem que ninguém percebesse. Quando chegaram bem no meio da mata, a madrasta disse:
-— João e Maria, descansem enquanto nós vamos rachar lenha para a lareira. Mais tarde passaremos para pegar vocês.
Os dois irmãos, após longa espera, comeram o pão e, cansados e fracos, adormeceram. Acordaram à noite, e nem sinal dos pais.
— Estamos perdidos! Nunca mais encontraremos o caminho de casa! — soluçou Maria.
— Quando a Lua aparecer no céu acharemos o caminho de casa — consolou-a o irmão.
Quando a Lua apareceu, as pedrinhas que João tinha deixado cair pelo atalho começaram a brilhar, e, seguindo-as, os irmãos conseguiram voltar à cabana.
Ao vê-los, os pais ficaram espantados. O lenhador, em seu íntimo, estava contente, mas a mulher não. Assim que foram deitar, disse que precisavam tentar novamente, com o mesmo plano. João, que tudo escutara, quis sair à procura de outras pedrinhas, mas não pôde, pois a madrasta trancara a porta. Maria estava desesperada.
— Como poderemos nos salvar desta vez?
— Daremos um jeito, você vai ver.
Na madrugada do dia seguinte, a madrasta acordou as crianças e foram novamente para a mata. Enquanto caminhavam, Joãozinho esfarelou todo o seu pão e o da irmã, fazendo uma trilha. Desta vez afastaram-se ainda mais de casa e, chegando a uma clareira, os pais deixaram as crianças com a desculpa de cortar lenha, abandonando-as. João e Maria adormeceram, famintos e cansados. Quando acordaram, estava muito escuro, e Maria desatou a chorar.
Mas desta vez não conseguiram encontrar o caminho: os pássaros haviam comido todas as migalhas. Andaram a noite toda e o dia seguinte inteirinho, sem conseguir sair daquela floresta, e estavam com muita fome. De repente, viram uma casinha muito mimosa. Aproximaram-se, curiosos, e viram, encantados, que o telhado era feito de chocolate, as paredes de bolo e as janelas de jujuba.
— Viva!— gritou João.
E correu para morder uma parte do telhado, enquanto Mariazinha enchia a boca de bolo, rindo. Ouviu-se então uma vozinha aguda, gritando no interior da casinha:
— Quem está o teto mordiscando e as paredes roendo?
As crianças, pensando que a voz era de uma menina de sua idade, responderam:
— É o Saci-pererê que está zombando de você!
Subitamente, abriu-se a porta da casinha e saiu uma velha muito feia, mancando, apoiada em uma muleta. João e Maria se assustaram, mas a velha sorriu, mostrando a boca desdentada.
— Não tenham medo, crianças. Vejo que têm fome, a ponto de quase destruir a casa. Entrem, vou preparar uma jantinha.
O jantar foi delicioso, e a velha senhora ajeitou gostosas caminhas macias para João e Maria, que adormeceram felizes. Não sabiam, os coitadinhos, que a velha era uma bruxa que comia crianças e, para atraí-las, tinha construído uma casinha de doces.
Agora ela esfregava as mãos, satisfeita.
— Estão em meu poder, não podem me escapar. Porém estão um pouco magros. É preciso fazer alguma coisa.
Na manhã seguinte, enquanto ainda estavam dormindo, a bruxa agarrou João e o prendeu em um porão escuro, depois, com uma sacudida, acordou Maria.
— De pé, preguiçosa! Vá tirar água do poço, acenda o fogo e apronte uma boa refeição para seu irmão. Ele está fechado no porão e tem de engordar bastante. Quando chegar no ponto vou comê-lo. Mariazinha chorou e se desesperou, mas foi obrigada a obedecer. Cada dia cozinhava para o irmão os melhores quitutes. E também, a cada manhã, a bruxa ia ao porão e, por ter vista fraca e não enxergar bem, mandava:
— João, dê-me seu dedo, quero sentir se já engordou!
Mas o esperto João, em vez de um dedo, estendia-lhe um ossinho de frango. A bruxa zangava-se, pois apesar do que comia, o moleque estava cada vez mais magro! Um dia perdeu a paciência.
— Maria, amanhã acenda o fogo logo cedo e coloque água para ferver. Magro ou gordo, pretendo comer seu irmão. Venho esperando isso há muito tempo!
A menina chorou, suplicou, implorou, em vão. A bruxa se aborrecera de tanto esperar.
Na manhã seguinte, Maria tratou de colocar no fogo o caldeirão cheio de água, enquanto a bruxa estava ocupada em acender o forno para assar o pão. Na verdade ela queria assar a pobre Mariazinha, e do João faria cozido.
Quando o forno estava bem quente, a bruxa disse à menina:
— Entre ali e veja se a temperatura está boa para assar pão.
Mas Maria, que desconfiava sempre da bruxa, não caiu na armadilha.
— Como se entra no forno? — perguntou ingenuamente.
— Você é mesmo uma boba! Olhe para mim! — e enfiou a cabeça dentro do forno.
Maria empurrou a bruxa para dentro do forno e fechou a portinhola com a corrente. A malvada queimou até o último osso.
A menina correu para o porão e libertou o irmão. Abraçaram-se, chorando lágrimas de alegria; depois, nada mais tendo a temer, exploraram a casa da bruxa. E quantas coisas acharam! Cofres e mais cofres cheios de pedras preciosas, de pérolas...
Encheram os bolsos de pérolas. Maria fez uma trouxinha com seu aventalzinho, e a encheu com diamantes, rubis e esmeraldas.
Deixaram a casa da feiticeira e avançaram pela mata. Andaram muito. Depois de algum tempo, chegaram a uma clareira, e perceberam que conheciam aquele lugar. Certa vez tinham apanhado lenha ali, de outra vez tinham ido colher mel naquelas árvores...
Finalmente, avistaram a cabana de seu pai. Começaram a correr naquela direção, escancararam a porta e caíram nos braços do lenhador que, assustado, não sabia se ria ou chorava.
Quantos remorsos o tinham atormentado desde que abandonara os filhos na mata! Quantos sonhos horríveis tinham perturbado suas noites! Cada porção de pão que comia ficava atravessada na garganta. Única sorte, a madrasta ruim, que o obrigara a livrar-se
dos filhos, já tinha morrido.
João esvaziou os bolsos, retirando as pérolas que havia guardado; Maria desamarrou o aventalzinho e deixou cair ao chão a chuva de pedras preciosas. Agora, já não precisariam temer nem miséria nem carestia. E assim, desde aquele dia o lenhador e seus filhos viveram na fartura, sem mais nenhuma preocupação.
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