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domingo, 12 de julho de 2015

O Negrinho do pastoreio



O Negrinho do pastoreio

Havia, nos tempos idos, um estaleiro perverso que adorava maltratar os escravos. Na estância desse demônio, vivia um negrinho chamado simplesmente de Negrinho. Não tendo mãe nem pai, ninguém se lembrara de batizá-lo. Graças a isso, dizia-se que era afilhado de Nossa Senhora.
Certo dia, o estrangeiro perverso resolveu organizar uma corrida de cavalos. O Negrinho, bom de cavalgadas, deveria conduzir o cavalo do patrão.
    - Se perder a corrida já sabe! - ameaçou o estrangeiro, mostrando-lhe o punho.
    Deu-se, então, a corrida, e o Negrinho levou a pior. Mas a pior, mesmo, ele ainda estava por levar. O estrangeiro perverso havia perdido mil onças de ouro, e queria se vingar no menino.
    - Esse tição me paga! - dizia ele, vibrando o Velho no ar, em juras de ódio.
    Nem bem o povaréu se espalhara ao redor dos espetos de carne gorda, o Negrinho viu-se amarrado numa estaca, na qual levou uma horrenda surra. Lá ficou a noite inteira, e só quando amanheceu foi retirado e levado a um pedaço ermo de campo.
    - Vai ficar aqui pastoreando o gado durante trinta dias, pois trinta quadras tinha a cancha reta onde perdeu a corrida! - disse o patrão, deixando o Negrinho sob o sol escaldante, sob o granizo furioso, sob o frio regelante, e sob tudo o que há de molesto na mãe natureza.
    Durante as noites, o Negrinho provava outra colherada cheia do inferno: cercado por corujas, onças, lobos, javalis ou outros bichos que havia então pelos pampas, só encontrava algum sossego ao lembrar da sua Madrinha, e aí adormecia com um sorriso nos lábios.
    E foi justo numa dessas pausas do sofrimento que a sua ruína se completou: um bando de ladrões de gado, aproveitando o sono do pequeno vigia, levou consigo todo o gado.
    Não é preciso dizer que, no dia seguinte, o Negrinho provou outra surra daquelas.
    - Agora vai procurar o gado que deixou levarem! - disse o patrão, mandando-o, noite fechada, para os campos abertos.
    O Negrinho passou antes na capelinha da sua Virgem Madrinha e levou uma vela para luminar os caminhos. Enquanto avançava pelos campos, deixava cair um pouco da cera incandescente. Os pingos ficavam queimando pelo chão, como pirilampos, enquanto ele avançava.
    Então, de tanto avançar, ele finalmente achou o campo do pastoreio. O gado estava lá, e ele se deitou para dormir, agradecendo à Madrinha Celeste.
    No meio da noite, no entanto, o filho do estrangeiro, um rapaz ainda pior do que o pai, veio de mansinho e espantou, outra vez, os animais.
    O laço cantou de novo, e desta vez o Negrinho não resistiu e morreu. A coisa toda se deu em campo aberto, e o patrão desgraçado achou que o Negrinho não merecia nem mesmo uma cova.
    - Atire-o ali no formigueiro! - disse ao filho.
    O corpo do Negrinho foi posto sobre o formigueiro, e as formigas caíram em cima, comendo tudo.
    Quando chegou em casa, o estrangeiro sonhou que ele era mil estrangeiros, e que tinha mil filhos, e mil negrinhos para maltratar, e mil mil onças de ouro para gastar em bobagens.
    Durante três noites, o estrangeiro sonhou o mesmo sonho. Então, na terceira noite, tomado pelo remorso - ou pelo medo de ser descoberto -, resolveu voltar ao formigueiro para ver se as formigas haviam comido todo o corpo. Ao chegar lá, porém, deparou-se com a figura do Negrinho, em pé sobre o formigueiro, são e sem marca alguma de ferida. Ao seu lado, estava a
    sua Santa Madrinha, toda serena e fosforescendo em azul. Os bichos perdidos também estavam todos ali.
    O estrangeiro caiu de joelhos e mãos postas, arrependido, mas o que ele sentia mesmo era um medo terrível de que algum castigo caísse sobre si.
    Enquanto o estrangeiro se enchia de medo, o Negrinho montou, em pelo, em cima de um dos cavalos e saiu a tocar alegremente a tropa pelas coxias.
    A partir daquele dia, o Negrinho passou a ser chamado de Negrinho do Pastoreio. Encarregado de encontrar coisas perdidas, ele faz a busca de bom grado, mas sempre pedindo uma vela para a sua madrinha.

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