O Negrinho do pastoreio
Havia, nos tempos idos, um estaleiro perverso que adorava
maltratar os escravos. Na estância desse demônio, vivia um negrinho chamado
simplesmente de Negrinho. Não tendo mãe nem pai, ninguém se lembrara de
batizá-lo. Graças a isso, dizia-se que era afilhado de Nossa Senhora.
Certo dia, o estrangeiro perverso resolveu organizar uma
corrida de cavalos. O Negrinho, bom de cavalgadas, deveria conduzir o cavalo do
patrão.
- Se perder a
corrida já sabe! - ameaçou o estrangeiro, mostrando-lhe o punho.
Deu-se, então, a
corrida, e o Negrinho levou a pior. Mas a pior, mesmo, ele ainda estava por
levar. O estrangeiro perverso havia perdido mil onças de ouro, e queria se
vingar no menino.
- Esse tição me
paga! - dizia ele, vibrando o Velho no ar, em juras de ódio.
Nem bem o povaréu
se espalhara ao redor dos espetos de carne gorda, o Negrinho viu-se amarrado
numa estaca, na qual levou uma horrenda surra. Lá ficou a noite inteira, e só
quando amanheceu foi retirado e levado a um pedaço ermo de campo.
- Vai ficar aqui
pastoreando o gado durante trinta dias, pois trinta quadras tinha a cancha reta
onde perdeu a corrida! - disse o patrão, deixando o Negrinho sob o sol
escaldante, sob o granizo furioso, sob o frio regelante, e sob tudo o que há
de molesto na mãe natureza.
Durante as noites,
o Negrinho provava outra colherada cheia do inferno: cercado por corujas,
onças, lobos, javalis ou outros bichos que havia então pelos pampas, só
encontrava algum sossego ao lembrar da sua Madrinha, e aí adormecia com um
sorriso nos lábios.
E foi justo numa
dessas pausas do sofrimento que a sua ruína se completou: um bando de ladrões
de gado, aproveitando o sono do pequeno vigia, levou consigo todo o gado.
Não é preciso
dizer que, no dia seguinte, o Negrinho provou outra surra daquelas.
- Agora vai
procurar o gado que deixou levarem! - disse o patrão, mandando-o, noite
fechada, para os campos abertos.
O Negrinho passou
antes na capelinha da sua Virgem Madrinha e levou uma vela para luminar os caminhos.
Enquanto avançava pelos campos, deixava cair um pouco da cera incandescente. Os
pingos ficavam queimando pelo chão, como pirilampos, enquanto ele avançava.
Então, de tanto
avançar, ele finalmente achou o campo do pastoreio. O gado estava lá, e ele se
deitou para dormir, agradecendo à Madrinha Celeste.
No meio da noite,
no entanto, o filho do estrangeiro, um rapaz ainda pior do que o pai, veio de
mansinho e espantou, outra vez, os animais.
O laço cantou de
novo, e desta vez o Negrinho não resistiu e morreu. A coisa toda se deu em
campo aberto, e o patrão desgraçado achou que o Negrinho não merecia nem mesmo
uma cova.
- Atire-o ali no
formigueiro! - disse ao filho.
O corpo do
Negrinho foi posto sobre o formigueiro, e as formigas caíram em cima, comendo
tudo.
Quando chegou em
casa, o estrangeiro sonhou que ele era mil estrangeiros, e que tinha mil
filhos, e mil negrinhos para maltratar, e mil mil onças de ouro para gastar em
bobagens.
Durante três
noites, o estrangeiro sonhou o mesmo sonho. Então, na terceira noite, tomado
pelo remorso - ou pelo medo de ser descoberto -, resolveu voltar ao formigueiro
para ver se as formigas haviam comido todo o corpo. Ao chegar lá, porém,
deparou-se com a figura do Negrinho, em pé sobre o formigueiro, são e sem marca
alguma de ferida. Ao seu lado, estava a
sua Santa
Madrinha, toda serena e fosforescendo em azul. Os bichos perdidos também
estavam todos ali.
O estrangeiro caiu
de joelhos e mãos postas, arrependido, mas o que ele sentia mesmo era um medo
terrível de que algum castigo caísse sobre si.
Enquanto o estrangeiro se enchia de medo, o Negrinho montou, em pelo, em cima de um dos
cavalos e saiu a tocar alegremente a tropa pelas coxias.
A partir daquele
dia, o Negrinho passou a ser chamado de Negrinho do Pastoreio. Encarregado de
encontrar coisas perdidas, ele faz a busca de bom grado, mas sempre pedindo uma
vela para a sua madrinha.
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