O exercício da tolerância inclui, em
primeiro lugar, o respeito a outra pessoa. Isso não significa concordar
incondicionalmente com o que está sendo dito, anular sua opinião ou se submeter
ao que nos violenta ou faz mal. A tolerância nos permite considerar que
existem, sim, diversas formas de olhar para a vida, outras maneiras de ser ou
vários tipos de ideal. E que opiniões diferentes das nossas não significam,
necessariamente, uma afronta pessoal. Admitimos que há uma multiplicidade de
escolhas. "Ser tolerante é perceber, entender e aceitar as diferenças sem
renunciar a princípio e valores pessoais", assegura Carlos Alberto dos
Santos, coordenador de programas da área de Direitos Humanos da UNESCO -
entidade educacional, científica e cultural da Organização das Nações Unidas.
Essa capacidade de aceitar, compreender e tolerar está presente nos momentos
mais banais do cotidiano. O dentista Luiz José Grieco, de São Paulo, pratica a
tolerância todos os dias em seu consultório - atende a adolescentes. "Quando
eles se tornam mal-humorados ou agressivos, tento me lembrar que eles estão
passando por uma fase bastante complicada da vida", diz ele. "Para
desenvolver a tolerância, devemos enxergar o mundo com os olhos dos
outros", afirma convicto. "Ser tolerante é requisito fundamental para
ter com mais tranqüilidade e paz de espírito", reconhece Mônica Chemin,
terapeuta de São Paulo. E ela dá um bom exemplo: "Se você está dirigindo e
toma uma fechada de um motoqueiro, tanto pode reagir com raiva como pode parar
um minuto para refletir e perceber que ele está correndo porque tem de cumprir
uma agenda desumana". "O problema é muitas vezes não termos tempo
para ponderar e refletir. Somos cobrados a reagir, a tomar partido, com muita
rapidez. Isto é, o imediatismo pode comprometer a capacidade de ser
tolerante", alerta a terapeuta. Passamos a julgar com base em preconceitos
ou conceitos sem fundamento real.
E qual seria o antídoto? Não se
precipitar. "E conhecer mais a nós mesmos, nossos valores mais profundos,
no que acreditamos realmente", fala a terapeuta. Importante também é
aceitar a si próprio. "O perfeccionismo é um sintoma de que não aceitamos
nossas próprias imperfeições", diz ela. E a prática da tolerância propõe
muita compreensão e paciência, primeiro com nós mesmos e depois nos
relacionamentos no casamento, no trabalho, na escola.
Onde
tudo começa
"A educação é o meio mais eficaz
de criar uma cultura de tolerância. Ela pode estimular as crianças a serem mais
abertas, curiosas e receptivas às diferenças. O acesso à educação também
desenvolve o senso crítico para recusar a intolerância e o preconceito que
podem estar presentes nos meios de comunicação, na família ou no ambiente
social", diz o coordenador Carlos Alberto dos Santos. Outro cuidado é
prestar atenção nas mensagens de intolerância que são repassadas às crianças
por meio de piadas ou apelidos - detalhes que pesam muito durante o processo da
formação de valores. Sempre vale, portanto, não estimular o preconceito. O
bombardeio de informações que recebemos todos os dias muitas vezes incentiva
que se forme um universo de semelhantes, onde se exclui o que é diferente de
nós. Mas isso não é irreversível, desde que haja consciência. "Todos nós
podemos contribuir para criar um mundo em que todas as diferenças sejam
bem-vindas", diz Carlos Alberto dos Santos, coordenador da UNESCO. O
futuro certamente agradece.
Alcance
social
No Brasil, a tolerância, que é
presente no campo religioso, não vai tão bem na área social. Os grupos de
defesa dos direitos dos gays apontam o país como campeão mundial de violência
contra homossexuais, registrando mais de 100 assassinatos por ano. E, apesar da
miscigenação que deu origem à população brasileira, o panorama não é muito
animador também em relação à discriminação racial. "O país tenta mostrar a
imagem de que aqui não existe racismo. Mas há enormes diferenças de
oportunidade de acesso à educação, ao emprego e de remuneração entre os
diferentes grupos raciais", alerta o coordenador Carlos Alberto dos
Santos.
Seremos mais felizes quando se
concretizar aqui um dos itens principais da Declaração de Princípios da
Tolerância, redigida pela UNESCO em 1995. Diz o texto da declaração: "A
prática da tolerância significa que cada pessoa é livre para escolher suas
convicções e aceita que seu semelhante possa usufruir da mesma liberdade".
Para
praticar todos os dias
Veja
como incluir mais flexibilidade e compreensão em seu dia-a-dia:
Avalie se suas opiniões sobre determinadas
pessoas ou grupos não estão baseadas em preconceitos.
Invista no auto conhecimento, investigue
quais são suas crenças reais.
Evite julgar pessoas ou acontecimentos
precipitadamente, sem refletir.
Adote uma atitude aberta face a estilos de
vida diferentes do seu.
Tente aceitar as outras pessoas como são.
Procure ser mais tolerante consigo mesmo.
Aceite seus erros e defeitos.
Texto: Liane Camargo de Almeida e Wilson F. de Weigl
Reportagem: Wilson F. de Weigl
http://bonsfluidos.abril.com.br/extra/a/cidadania3.shtml