Crônicas de um professor

Crônicas de um professor Na triagem de roupas que eu faço aqui em casa, destinadas para os alunos mais carentes que leciono, sempre seguiam uma padronização:
Camisas, camisetas, shorts e calçados, todos em bom estado. Nada de roupas rasgadas, faltando botões, descosturadas...Quem recebe a doação, merece uma roupa que ofereça o mínimo de dignidade.
Eu nunca inclui sungas, biquines e cuecas, por considerá-las peças íntimas, não as doava por uma questão de higiene. Queimáva-as ou antes de jogá-las no lixo, cortava com tesoura em pedaços bem pequenos aquelas peças que não serviam mais para nossa família, e para não serem reaproveitadas quando chegassem no aterro sanitário. Com intuito de preservar quem quer que seja.
Até que um belo dia, um aluno me disse que não poderia tomar banho de rio com os outros alunos de short, pois aquele era o melhor que ele tinha e mais tarde iria sair com a mãe e precisaria dele.
Então, despindo-se daquele precioso e único short, desinibido com a inocência de uma criança, pulou no rio com sua cuequinha surrada, transparente e com elásticos frouxos...
Eu ali, assistindo aquela cena, fiquei pensando naquelas cuecas e sungas do meu filho que eu não doei, por causa de algumas concepções de higiene.
De onde veio esta minha concepção de higiene imposta em minha cultura urbana? Em que tempo isto me fora introduzido? Que higiene é esta que eu pratico, com intuito de preservar o outro? Preservar de quê?
Meu filho é saudável, não tem doenças, graças a Deus... Então isso perde um pouco o sentido.
Descobri nesta breve reflexão, que a carência do mundo, até nas pequenas coisas, é tão maior que a minha padronização de higiene e cultura.
As sungas e as cuecas do meu filho serão inclusas nas minhas doações a partir de agora. Existe aluno que precisa de uma sunga, de uma cueca, talvez, aluno que nunca teve. O que eu considero descartável e que prá mim era lixo, pode ser artigo de luxo na vida de alguém. Existe alguém no mundo precisando desta doação.